Direito Médico – Médico que queimou genitália de paciente com ácido condenado a indenizar por danos morais

O Tribunal de Santa Catarina condenou médico a indenizar paciente por queimaduras com ácido em cirurgia para retirada de verrugas do órgão genital:

Apelação Cível n. 2006.010497-3, de Garopaba

Relator: Des. Substituto Ronaldo Moritz Martins da Silva

Apelação cível. Ação de indenização. Erro médico. Alegados prejuízos (morais e materiais) provocados, com ácido, em procedimento de cauterização para retirada de verrugas no órgão genital. Pretenso recebimento de lucros cessantes. Sentença de procedência, em parte. Insurgência da parte demandada (médico e clínica). Responsabilidade subjetiva do profissional liberal. Negligência evidenciada pelo descuido na utilização da substância. Ato que provocou queimadura e irritação na pele do autor. Conduta culposa verificada. Responsabilidade objetiva e solidária do estabelecimento. Obrigação de indenizar caracterizada. Dano moral que, no caso, prescinde de comprovação. Condenação devida. Critérios de fixação. Razoabilidade e proporcionalidade. Quantum minorado. Decisão parcialmente reformada. Recurso provido, em parte.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2006.010497-3, da comarca de Garopaba (Vara Única), em que são apelantes Odimar Pires Pacheco FI e Odilon Gomes da Assumpção Filho, e apelado Jonatas Amador Soares:

ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Civil, à unanimidade, conhecer e dar provimento, em parte, ao recurso, nos termos do voto do relator. Custas legais.

RELATÓRIO

Perante o Juízo de Direito da comarca de Garopaba (Vara Única), Jonatas Amador Soares propôs “ação de indenização por danos morais, materiais e lucros cessantes” (processo n. 167.00.000057-0) em face da Clínica Médica São Lucas e Odilon Gomes da Assumpção Filho, visando obter ressarcimento em razão dos alegados prejuízos provocados pelo médico demandado, no estabelecimento também acionado, em procedimento de cauterização, com ácido, para retirada de verrugas no órgão genital (fls. 02/09).

A gratuidade da justiça postulada na exordial (fl. 09) foi deferida (fl. 18).

Citados (fl. 32v.), os requeridos contestaram (fls. 24/28 e 33/37), suscitando a clínica, preliminarmente, a ilegitimidade passiva ad causam.

No mérito, opuseram resistência à pretensão do requerente.

Em audiência (fls. 79/80), foi deferida a produção de prova documental, oral e perícia médica, determinando-se, ao final, a retificação da autuação para constar a firma individual Odimar Pires Pacheco no lugar de Clínica Médica São Lucas (nome fantasia).

O estabelecimento demandado e o autor formularam quesitos (fls. 81/85 e 86) e os laudos periciais encontram-se às fls. 96/97 e 117/118.

As partes dispensaram a tomada do depoimento pessoal e, no tocante à coleta da prova testemunhal, o respectivo rol foi protocolado fora do prazo (fl. 148).

Foram apresentadas alegações finais na forma de memoriais (fls. 152/162 e 167/175).

A MMa. Juíza de Direito, Dra. Eliane Alfredo Cardoso Luiz, prolatou a sentença de fls. 177/191, cujo dispositivo foi assim redigido:

Em face do que foi dito, julgo procedentes em parte os pedidos formulados por Jonatas Amador Soares contra Clínica Médica São Lucas, também denominada Odimar Pires Pacheco FI (fl. 24), e Odilon Gomes de Assumpção Filho para condenar os réus:

a) ao pagamento das despesas relativas a tratamentos médicos futuros necessários ao restabelecimento da saúde estética violada pelo evento danoso, com correção monetária e juros de mora desde a data do futuro desembolso, conforme for apurado em liquidação de sentença por artigos;

b) ao pagamento de danos morais no valor de R$ 22.500,00 (vinte dois mil e quinhentos reais), corrigido monetariamente desde a data do fato (Súmula 43 do STJ), com juros de mora de 0,5% ao mês (CC/1916, art. 1.062) até a data de entrada em vigor do Código Civil de 2002 (11.1.2003) e, a partir daí, de 1% ao mês (CC/2002, art. 406 c/c art. 161, § 1º, do CTN), também a partir da data do fato (Súmula 54 do STJ).

Por ter o autor decaído de parte mínima do pedido, condeno os réus ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes no importe de 15% sobre o valor da condenação, atentando para o que assevera o artigo 20, § 3º, a e c, do Código de Processo Civil.

Inconformados, os vencidos apelaram (fls. 196/213), alegando, em síntese, que 1) a informação sobre a utilização de ácido acético a base de 20% “[…] foi apenas mencionada em depoimento policial, não podendo ser tomada como instrumento probatório, já que não houve o contraditório” (fl. 207); 2) os documentos de fls. 48/49, sem qualquer preenchimento, demonstram a inexistência de lesão no autor; 3) há “[…] tratamentos com outro tipo de ácido com concentração de 40% a 60% (tricloacético) utilizado normalmente, dentro da medicina, sem causar lesão a pacientes” (fl. 208); 4) não restou comprovada a culpa dos requeridos e “[…] o apelado é o único responsável pelo padecimento da doença, posto que só é adquirida pela promiscuidade” (fl. 208); 5) “[…] a atitude do profissional médico foi a mais lícita possível, tendo, inclusive, se prontificado em atender o apelado em uma clínica, de propriedade do segundo apelante, onde alugara uma sala para atendimento de seus pacientes […]” (fl. 208); 6) “[…] considerando a regularidade da conduta do Dr. Odilon, bem como a inocorrência de impotência sexual, conclui-se que nenhuma responsabilidade pode ser imputada […]” (fl. 208); 7) inexiste nos autos prova do sofrimento do demandante ou de qualquer lesão oriunda do tratamento, bem como de que se sentiu humilhado ou constrangido em sua dignidade e honra; 8) “[…] meras alegações não induzem a comprovação de eventual prejuízo” (fl. 209), sendo indevida, assim, a pretendida reparação por danos morais; 9) é exorbitante o quantum indenizatório de R$ 22.500,00 arbitrado, “[…] por desvirtuar do instituto do dano e violar os princípios da proporcionalidade e razoabilidade” (fl. 213).

Requereram o provimento do reclamo, “[…] para que a r. sentença recorrida seja totalmente reformada, com a consequente improcedência da demanda proposta pelo apelado, declarando-se, assim, o descabimento da pretensão indenizatória ou, caso assim não se entenda, reduzindo-se o montante da condenação para valor adequado à realidade dos autos […]” (fl. 213).

Intimado (fl. 217), o recorrido contra-arrazoou (fls. 219/229).

VOTO

O recurso é tempestivo (fls. 194 e 196v.) e o preparo foi devidamente efetuado (fl. 214).

Como relatado, o autor, ora apelado, ajuizou ação indenizatória em face do médico e do estabelecimento ora apelantes, ao argumento de que sofreu prejuízos decorrentes de procedimento para a retirada de verrugas em seu órgão genital.

Sustentou, na exordial (fls. 02/09), que 1) no início do mês de novembro dirigiu-se ao posto de saúde da cidade de Imbituba, onde foi atendido pelo Dr. Odilon Gomes da Assumpção Filho (requerido), o qual, alegando a impossibilidade de ali efetuar o tratamento adequado, o encaminhou para a Clínica Médica São Lucas; 2) no aludido estabelecimento, foi submetido à cauterização, que teve início com a utilização de ácido para queimar as verrugas; 3) “[…] ao aplicar o ácido, o réu, ao invés de derramar apenas algumas gotas do produto sobre as verrugas, virou o frasco inteiro […], causando-lhe graves queimaduras no pênis, escroto, ânus e coxas […]” (fl. 03) e cicatrizes permanentes; 4) “[…] o médico e a enfermeira abandonaram o paciente para ‘procurarem’ soro fisiológico, pois não havia na sala onde estavam trabalhando, e dirigiu-se sozinho ao banheiro para lavar-se, evacuando e urinando, devido às fortes dores causadas pelas queimaduras […]” (fl. 03); 5) posteriormente, colocaram o soro sobre as queimaduras, com pomada e analgésicos, e o mandaram para casa; 6) não suportando as dores, manteve contato com o médico demandado e este o encaminhou para o Hospital São Camilo, onde esteve internado por um dia; 7) o réu, “[…] examinando-o, então, disse que estava tudo certo e […] que não precisaria pagar a cauterização, a qual sequer fora feita” (fl. 03); 8) registrou boletim de ocorrência para a apuração de suas lesões corporais; 9) vem efetuando seu tratamento em Porto Alegre, com o Dr. José Francisco Flores Lisboa; 10) a negligência do acionado ocasionou-lhe profundo abalo moral, dor e sofrimento, quase acabando com a sua vida sexual.

Postulou a condenação dos requeridos ao pagamento de indenização por danos morais, em valor não inferior a 500 salários mínimos, danos materiais e lucros cessantes, na quantia de R$ 1.700,00, decorrentes das despesas efetuadas para a cura das queimaduras e a realização da cauterização e dos prejuízos pela incapacidade temporária para o trabalho, bem como ao ressarcimento dos gastos futuros com cirurgias plásticas ou outros procedimentos necessários ao seu tratamento.

A clínica, quanto ao mérito, afirmou, em sua defesa (fls. 24/28), a imprescindibilidade da utilização do ácido acético (em solução a 5%) para delimitar as áreas a serem cauterizadas, o que “[…] irrita a pele local, além de causar certa ardência […]“, não havendo “[…] imperícia, nem negligência, nem intenção dolosa por parte do médico que iniciou o tratamento” (fl. 26).

Em resposta (fls. 33/37), o médico acrescentou aos argumentos já expostos pela outra parte demandada que, “[…] após a utilização do ácido acético para a delimitação da área a ser cauterizada, em face da ardência natural provocada, e devidamente atendido, com utilização, inclusive, de soro fisiológico para alívio da ardência, o autor não mais retornou para o prosseguimento do tratamento […]” (fl. 35).

Os réus, ora apelantes, não negam que foi iniciado o procedimento de cauterização para a retirada de verrugas no órgão genital do demandante, ora recorrido, mediante a utilização de ácido.

O médico defende a adequação do tratamento efetuado, “[…] ainda que o autor tenha sofrido dor ou alguma queimadura provocada pelo ácido utilizado” (fl. 36).

Cabe verificar a existência, ou não, da prática de ato ilícito pelo médico demandado, mediante a configuração de conduta culposa, tendo em vista a responsabilidade subjetiva, como bem salientou o magistrado a quo.

A propósito, dispõe o § 4º do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990) que “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”.

Em depoimento policial, este assim relatou:

[…] a vítima era possuidora de doença venérea conhecida por condiloma acominato, que consiste em aparição de verrugas no pênis e saco escrotal; que o líquido normalmente utilizado para a realização de cauterizações das verrugas é o ácido acético a 5% (cinco por cento); que houve troca de frascos de ácido acético, sendo que foi colocado outro ácido acético com concentração de 20% (vinte por cento); que, com isso, quando da cauterização, a vítima queixou-se de estar sentindo dor, fazendo com que o depoente cessasse a cauterização; […]; que o depoente só percebeu a troca do medicamento a partir do momento que a vítima reclamou de dor e pôde, o depoente, através do olfato, identificar a concentração do ácido utilizado; […] que o fato de ter escorrido ácido atingindo as coxas da vítima também é normal nesse tipo de cauterização. (fl. 57) (grifou-se)

Destaca-se que a aludida peça (fls. 57/58), produzida na fase de inquérito policial, pode ser considerada no julgamento, porquanto os autos carecem de conjunto probatório para desconsiderar as informações ali existentes, tratando-se, ademais, de documento subscrito pelo próprio réu, na presença de autoridade policial e duas testemunhas.

Nos termos do artigo 368 do Código de Processo Civil, presumem-se verdadeiras, até prova em contrário, as declarações nele prestadas.

O auto de exame de corpo delito de fl. 78 ¿ sublinhe-se, devidamente preenchido ¿ revela, nos itens 1 e 2, que houve ofensa à integridade corporal ou à saúde do paciente, em razão de queimadura provocada por ácido.

Extrai-se, ainda, das perícias médicas elaboradas pelo Dr. Fábio Nakamura (fls. 96/97) e Dr. João Santos da Silva (fls. 117/118): a) o autor, à época dos fatos, padecia de HPV (item 1); b) a peniscopia para o diagnóstico de condiloma acuminado, quando utilizado ácido acético 5%, é procedimento correto na medicina (item 4); c) os ferimentos causados podem acarretar algum problema no órgão ferido (item 7); d) o “paciente relata aumento de sensibilidade na região peniana e após relação sexual apresenta ‘rachaduras’ causando dor no local; no exame físico foi constatada […] lesão em corpo de pênis compatível com HPV, lesão plana hipocrônica em glande de processo cicatricial e duas cicatrizes transversais em base de pênis (rachaduras) […]” (item 8).

Os peritos e o Dr. André L. S. de Souza, subscritor da declaração de fl. 38, esclareceram que na peniscopia, destinada ao diagnóstico de HPV (Papilomavirus humano), é utilizado ácido acético de 5%.

Essa substância é aplicada em todo o órgão genital e tem a finalidade de exteriorizar e localizar as lesões, em muitos casos de difícil verificação por simples exame visual.

Ministrado o ácido, as lesões manifestam-se como micropápulas ou máculas esbranquiçadas. Corretamente usado, o aludido produto não gera queimaduras, talvez pequeno desconforto.

O tratamento da moléstia é realizado mediante a aplicação no local, específico e restrito, com ácido acético de 20% a 80%.

Mostra-se equivocada a utilização do ácido nessa concentração para o exame de peniscopia, pois, nessa hipótese, é possível provocar queimaduras, tendo em vista que a aplicação é em todo o órgão genital. Foi o que ocorreu no caso dos autos, conforme admitido pelo próprio médico réu.

Ademais, a quantidade de ácido empregada foi superior a recomendada, porquanto, como também confessado pelo demandado, o produto escorreu pela virilha do autor.

A culpa do médico requerido encontra-se plenamente caracterizada, pois aplicou no exame de peniscopia ácido em concentração e quantidade superiores ao procedimento, provocando lesões, consoante comprova o laudo de fl. 78.

A ausência de impotência sexual não afasta, à evidência, o seu dever de indenizar pelos danos provocados ao paciente (autor).

Oportuno registrar que, in casu, é objetiva e solidária a responsabilidade da clínica onde foi realizado o procedimento questionado, decorrente da má prestação do serviço.

Assim estabelece o artigo 14, caput, da Lei Consumerista:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

A respeito da matéria, já decidiu esta Corte:

1) Apelação Cível n. 2007.048951-3, de Itajaí, rel. Des. Luiz Carlos Freyesleben, Segunda Câmara de Direito Civil, j. 6.11.2009:

CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ATO ILÍCITO AJUIZADA POR PACIENTE CONTRA MÉDICO E HOSPITAL. CIRURGIA DE SUSPENSÃO DO COLO VESICAL. PROCEDIMENTO CIRÚRGICO QUESTIONADO. […]. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.

Os hospitais, considerados prestadores de serviços, submetem-se às normas insertas no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. Por isso, a responsabilidade civil das entidades hospitalares é do tipo objetiva, que não exige a comprovação da culpa do nosocômio, exigindo tão somente prova do dano e do nexo de causalidade. […].

2) Apelação Cível n. 2007.038079-6, de Lages, rel. Des. Henry Petry Junior, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 2.12.2008:

APELAÇÕES CÍVEIS. DIREITO OBRIGACIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. PRELIMINAR. I – ILEGITIMIDADE PASSIVA DO HOSPITAL. INOCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA E OBJETIVA. […]. RECURSOS DOS RÉUS DESPROVIDOS E DA AUTORA PROVIDO.

I ¿ Ainda que o médico causador do ilícito não tenha relação empregatícia com a instituição hospitalar, certa é a legitimidade passiva do nosocômio que admite a atuação do profissional em seu estabelecimento, como parte do corpo clínico, tanto que plantonista no dia dos fatos. Disso decorre a responsabilidade solidária do hospital, independentemente de culpa, por danos causados a terceiros na atuação do profissional. […].

3) Apelação Cível n. 2000.000995-4, de Itajaí, rel. Des. Henry Petry Junior, Primeira Câmara de Direito Civil, j. 2.10.2007:

RESPONSABILIDADE CIVIL. APELAÇÃO CÍVEL DOS RÉUS. ERRO MÉDICO. […] RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DO PROFISSIONAL LIBERAL. INTELIGÊNCIA DO ART. 14, § 4º, DO CDC. CULPA DO MÉDICO COMPROVADA. NEGLIGÊNCIA. […] DEVER DE INDENIZAR. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA E OBJETIVA DO HOSPITAL NOS TERMOS DO ART. 14, DO CDC. RECURSO DESPROVIDO.

[…] 5. Caracterizada a responsabilidade subjetiva do médico, responde o nosocômio réu, de forma objetiva e solidária, pelos danos decorrentes do ato ilícito praticado pelo profissional integrante de seus quadros.

4) Apelação Cível n. 2005.018369-1, de São Lourenço do Oeste, rel. Des. Fernando Carioni, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 25.5.2006:

APELAÇÃO CÍVEL ¿ AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS ¿ ILEGITIMIDADE PASSIVA DA ENTIDADE HOSPITALAR ¿ QUESTÃO QUE SE CONFUNDE COM O MÉRITO ¿ ERRO MÉDICO ¿ CIRURGIA VASCULAR ¿ ¿RETIRADA DE VARIZES¿ ¿ SEÇÃO E LESÃO DOS NERVOS DA PERNA E DO PÉ ESQUERDO ¿ DANOS MOTORES ¿ ENTIDADE HOSPITALAR ¿ CESSÃO DE EQUIPAMENTOS E DEPENDÊNCIAS ¿ RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA ¿ DEVER DE INDENIZAR ¿ […] ¿ RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Responde solidariamente pelos erros médicos ocorridos em suas dependências a entidade hospitalar que fornece sala, equipamentos e pessoal para médicos estranhos aos seus quadros, diante da incontestável retribuição financeira existente. […].

Nessas condições, resta caracterizada a obrigação dos requeridos de indenizar.

No caso dos autos, é evidente o abalo psíquico sofrido pelo apelado/paciente, que suportou o sofrimento e o lamentável constrangimento em razão das queimaduras e irritações provocadas pelo procedimento mal sucedido.

Cabe aos recorrentes responderem pelo dano moral ocasionado ao recorrido, sendo desnecessária, na espécie, a sua comprovação, porquanto, como ressaltado na sentença, “[…] basta para embasar o direito à indenização a demonstração do resultado lesivo, ou seja, as lesões corporais causadas pelos réus e a demonstração do nexo causal” (fl. 189).

Nesse sentido:

1) Apelação Cível n. 2008.054578-0, de Araranguá, rel. Des. Newton Trisotto, Primeira Câmara de Direito Público, j. 2.9.2009:

RESPONSABILIDADE CIVIL ¿ […] ¿ DANO MORAL CARACTERIZADO ¿ QUANTUM INDENIZATÓRIO MAJORADO

1. O dano moral consiste “na dor, na angústia, no sofrimento, na tristeza pela ausência de um ente querido falecido; no desprestígio, na desconsideração social, no descrédito à reputação, na humilhação pública, no devassamento da privacidade; no desequilíbrio da normalidade psíquica, nos traumatismos emocionais, na depressão ou no desgaste psicológico, nas situações de constrangimento moral” (Yussef Said Cahali).

Há situações em que o ofendido não necessita demonstrar os elementos configurantes do dano moral; basta que prove o ato e a sua ilicitude. […].

2) Apelação Cível n. 2008.022982-4, de Fraiburgo, rel. Des. Fernando Carioni, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 3.6.2008:

[…] O dano moral possui caráter estritamente pessoal de dor, vergonha, humilhação, assentando-se o entendimento nos tribunais pátrios de que não há necessidade de sua comprovação, bastando a configuração da situação de constrangimento que o fato infligiu ao agente. […].

Pretendem os insurgentes a redução da indenização de R$ 22.500,00 fixada a título de danos morais “[…] para valor adequado à realidade dos autos […]” (fl. 213).

É pacífico na jurisprudência o entendimento de que o quantum indenizatório não pode ser exorbitante, a ponto de enriquecer o lesado, tampouco irrisório, de maneira a incentivar a reincidência do ato, devendo ser arbitrado de acordo com os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Mostra-se razoável, in casu, a minoração da soma arbitrada (R$ 22.500,00) para R$ 10.000,00, à consideração do ilícito praticado, da natureza da lesão, da extensão do dano sofrido e da capacidade financeira das partes.

Acerca do assunto:

1) Apelação Cível n. 2006.012991-3, de Brusque, rel. Des. Jaime Ramos, Segunda Câmara de Direito Público, j. 6.3.2007:

RESPONSABILIDADE CIVIL ¿ […] ¿ OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR ¿ PEDIDO DE REDUÇÃO DO QUANTUM ARBITRADO ¿ POSSIBILIDADE ¿ RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

O valor da indenização do dano moral há de ser fixado com moderação, em respeito aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando em conta não só as condições sociais e econômicas das partes, como também o grau da culpa e a extensão do sofrimento psíquico, de modo que possa significar uma reprimenda ao ofensor, para que se abstenha de praticar fatos idênticos no futuro, mas não ocasione um enriquecimento injustificado para o lesado.

2) Apelação Cível n. 2005.000835-5, de Lages, rel. Desa. Salete Silva Sommariva, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 28.11.2006:

[…] QUANTUM INDENIZATÓRIO ¿ PEDIDO DE MAJORAÇÃO DA VERBA PELO AUTOR ¿ PLEITO DE MINORAÇÃO PELA RÉ – NECESSIDADE DE REDUÇÃO DA VERBA REPARATÓRIA ¿ FIXAÇÃO EM PARÂMETROS RAZOÁVEIS

A indenização por dano moral não pode levar à riqueza da vítima, nem à ruína o seu ofensor, mas refletir, sob o equacionamento do órgão julgador, a extensão da lesão material e a suportabilidade da reparação, devendo ser fixada com base na intensidade e duração da dor sofrida, na gravidade do fato causador do dano, na condição pessoal (idade, sexo, etc.) e social do lesado, e, finalmente, no grau de culpa do lesante, consistindo num misto de reparação e punição.

3) Apelação Cível n. 2004.032379-7, de Imbituba, rel. Des. Marcus Tulio Sartorato, Terceira Câmara de Direito Civil, j. 12.9.2006:

RESPONSABILIDADE CIVIL ¿ AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS ¿ PREPOSTO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL (SUPERMERCADO) QUE INJUSTAMENTE IMPUTA A PRÁTICA DE FURTO A MENOR ¿ […] ¿ OFENSA À INTEGRIDADE MORAL ¿ DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO ¿ EXEGESE DO ART. 1.521, III, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 (CORRESPONDENTE AO ART. 932, III, DO CC/02) ¿ QUANTUM INDENIZATÓRIO ¿ REDUÇÃO NECESSÁRIA NO CASO CONCRETO ¿ ABALO SEM GRANDE REPERCUSSÃO ¿ […] ¿ RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO

[…] 2. O quantum da indenização por danos morais ¿ que tem por escopo atender, além da reparação ou compensação da dor em si, ao elemento pedagógico, no intuito de que o ofensor procure ter mais cuidado de forma a evitar a reiteração da ação ou omissão danosa ¿ deve harmonizar-se com a intensidade da culpa do lesante, o grau de sofrimento do indenizado e a situação econômica de ambos, para não ensejar a ruína ou a impunidade daquele, bem como o enriquecimento sem causa ou a insatisfação deste.

O quantum, no entanto, deverá ser acrescido de correção monetária (Súmula 362, STJ) e juros moratórios de 1% ao mês (art. 406 do CC/2002 e art. 161, § 1°, do CTN), ambos a contar da data do arbitramento da verba reparatória na sentença, proferida em 3.10.2005.

Por essas razões, o reclamo merece ser acolhido, em parte.

DECISÃO

Ante o exposto, a Câmara decidiu, à unanimidade, conhecer e dar provimento, em parte, ao recurso, nos termos do voto do relator.

O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Eládio Torret Rocha, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Victor Ferreira.

Florianópolis, 22 de julho de 2010.

Ronaldo Moritz Martins da Silva

Relator

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